Estudos culturais: outro nível de precisão?

Meti-me há pouco a ler e a falar de estudos culturais, entre outras coisas devido à necesidade de defender ou promover o português na Noruega e sobretudo na universidade de Oslo, mas deparei-me com uma tradição académica (ou forma de divulgação) que me tem por vezes posto os cabelos em pé.

Será que foi azar e o guru que eu me pus a ler não é sério (Richard D. Lewis) ou, ao contrário do que parecem, os livros são simplesmente para a cultura anglo-saxónica e por isso o continuar a reforçar a ignorância e as atitudes dos ingleses e dos americanos é natural?

Mas o anglo-centrismo é tal, que me dá vontade realmente de pôr os livros no caixote de lixo. Mas como isso não tem qualquer influência (e aliás tenho de os devolver à biblioteca) decidi inicialmente copiar aqui algumas das "pérolas" associadas a Portugal e ao Brasil.

Mas não, propagar esse tipo de desinformação, citando precisamente, mesmo com uma resposta irónica, é ter-lhe demasiado respeito. Por isso resumo simplesmente as mais escandalosas: as boas características dos portugueses... eram devidas à sua tradição de negociar com os ingleses! E que o Brasil ser português foi absolutamente por acaso... e que nem sequer foi apreciado. E que os brasileiros são diferentes conforme a zona climática: os do litoral são animados, os índios das montanhas (não sei bem a que é que ele se refere) são mais tristonhos e sérios.

Será simplesmente este autor que não tem tempo para se informar sobre a história e cultura das regiões sobre que fala, ou a maior parte dos livros de divulgação -- estou agora a pensar no fenómeno Bill Bryson -- contém um chorrilho de disparates que não é costume ir confirmar? Deixei de ler o dito BB quando deparo com a seguinte menção gratuita ao Vasco da Gama, "um homem muito mau". E sobre as viagens ou o império português, isso chega. O único de que os americanos conhecem o nome -- era muito mau. Gostava de saber onde ou quem propalou essa informação, e sobretudo como é que esses juízos morais não se refletem (que eu saiba) em nenhum outro navegador, sobretudo não o Colombo, que foi herói simplesmente por ter descoberto a América! (E a América é o centro do mundo, por isso um incompetente que não percebia nada de geografia ou navegação tem de ser promovido a herói -- ou seria aceitável dizer que a América fo encontrada por erro, e que teria sido muito melhor se não o tivesse sido?) [Notem, não tenho qq conhecimento pessoal dos dois navegadores e não ponho as mãos no fogo sobre as suas qualidades morais, o que me indigna é a forma diferente como o BB fala sobre o Vasco da Gama e o Cristóvão Colombo.]

Por um lado, é interessante e enriquecedor ler livros que contam a História de outra maneira, que falam de outras culturas, que mostram outras visões do mundo. É importante para não sernos tacanhos e bairristas. Mas, por outro lado, que desilusão -- e consequente desconfiança de que tudo o resto também não é credível -- quando se encontra este tipo de informações ou comentários!

Claro, há questões de grau, e também há questões de malvadez ou mesquinhez. É total falta de conhecimento do Richard D. Lewis, mas não foi por mal. A ideia que dá dos portugueses e dos brasileiros até é boa (pelo menos na ótica dele).  Já a menção e apoucamento dos portugueses comparado com os ingleses quando Bill Bryson escreve (ou dá a entender que escreve) uma história do mundo, por muito pessoal que seja, é certamente uma malvadez, uma falta de ética, uma prova de desonestidade e preconceito.

Porque será que não há revisores ou críticos que saltem sobre estes "deslizes" dos best-sellers? Quantos portugueses ou mesmo lusófonos não se sentiram tristes, desagradados ou pelo menos desconfiados com aquela feia e gratuita menção ao Vasco da Gama? E é por isso que acabo este blogue com uma obra de uma historiadora francesa sobre o mesmo. Geneviève Bouchon. Vasco da Gama. Librairie Anthème Failard, 1997, traduzida para português e editada em 4 volumes pela Terramar para o Público, 1998. Mesmo que os franceses sejam conhecidos como galo-cêntricos (mas todas as culturas o têm de ser por definição), quando fazem História tentam fazê-la bem, e apresentar aquilo que se sabe ou que eles tentam encontrar.

Emneord: cultura, fiabilidade, história Av Diana Sousa Marques Santos
Publisert 13. aug. 2014 14:24 - Sist endret 15. juli 2015 10:28