A insolência dos jornalistas

Tenho estado entusiasmada a ouvir as entrevistas dos "capitães de Abril" (ou melhor militares do MFA, porque nenhum deles, entrevistado, capitão) que estão acessíveis na RTP, no programa Quinta Essência (p.ex. http://www.rtp.pt/play/p319/e152091/quinta-essencia, mas estão todas acessíveis em baixo), e aconselho a todos que as ouçam, porque são um testemunho de pessoas íntegras que mudaram o mundo e não se deixaram corromper pelo poder.

Mas, a esse propósito, não posso deixar de comentar o tom jocoso do "jovem" jornalista, convencido do alto da sua ignorância e da sua educação de "menino bem", de que a História que aprendeu e lhe foi contada é a única certa, e tentando ensinar a militares que um golpe de Estado ou revolução "não estava bem planeado", ou que as eleições são o único meio de auscultar os desejos e a voz de um povo. Além disso, permitindo-se expressões de incredulidade ou de hilariedade quando o que ouve não é o que ele espera, que, na minha opinião, são prova de falta de educação pura.

Embora a ideia das entrevistas, e o tempo a elas concedido, deva naturalmente ser elogiado -- e eu sou a primeira a fazê-lo, pelo prazer que me trouxeram; o tom e as interrupções quase constantes do entrevistador são -- pelo menos para mim -- muito irritantes, porque são constantemente uma voz da "nova história" (a consolidada pelos que ganharam, isto é, Mário Soares, Freitas do Amaral -- seria muito interessante saber como Sá Carneiro se teria posicionado).

A que propósito é que um jornalista que pede um testemunho se resolve dar a sua própria interpretação, ou não perceber/fazer de conta que não percebe, algumas das coisas que são ditas -- muito claramente -- mesmo que inesperadamente para o jornalista? A que propósito é que ao entrevistar pessoas que teriam idade para ser pais ou mesmo avôs dele o jornalista toma automaticamente a posição de poder e de "insistência na verdade que ouviu"? Vendo que os entrevistados aceitam (de boa catadura) este tipo de tratamento, presumo que eles talvez tenham sido postos de sobreaviso, ou avisados pelo menos de que o entrevistador seria de uma posição política muito à direita (deles)?

Ou a minha reação vem apenas de eu viver há muito tempo na Noruega, e não estar portanto habituada à forma como se fazem (e dão) entrevistas em Portugal? Ou seja, será que este é o pão de cada dia e ninguém reagiu? Isto é o novo jornalismo, ou nem sequer tão novo como isso?

Emneord: 25 de Abril, cultura Av Diana Sousa Marques Santos
Publisert 1. juli 2014 13:17 - Sist endret 15. juli 2015 10:28