Diferentes maneiras de ver o mundo, ou apenas falhas lexicais?

Hoje insperadamente começo pela análise de um verbo norueguês: unne, que me parece traduzir uma forma de ver cada indivíduo como dono de um poder que a língua portuguesa só concede a alguns: As maneirs mais naturais de usar este verbo são difíceis de traduzir para português, exceto se formos Deus ou fadas, e podemos portanto conceder a outros alguma coisa. Por exemplo, qualquer pessoa pode em norueguês dizer "eu unno ao Brasil a vitória neste jogo", que para nós dizermos teria de ser "Eu desejo que o Brasil ganhe porque acho que merece", ou "Oxalá o Brasil ganhe" ou "Quem me dera que o Brasil ganhe", mas repare-se que em nenhum caso isto é algo que eu faço ou pronuncio.

Nos dicionários bilingues unne está (bem) traduzido por conceder, o problema é que em português é preciso ter poder para conceder, e em norueguês qualquer um o faz.

Agora, isto pode ser uma simples falha lexical sem consequências (de facto aparentemente é uma falha lexical de muitas línguas indo-europeias, porque me parece que nem o inglês nem o francês têm algo parecido), ou pode ser uma maneira radicalmente diferente de ver o mundo, mais associada a uma cultura individual (em que cada qual é o seu reizinho) do que a uma cultura associada ao destino ou ao poder.

Ou seja, e a acreditarmos nos teóricos recentes das culturas, como Hofstede, o norueguês demonstra ser veículo de uma cultura do eu, e o português de uma cultura do nós. O que leva também ao interesse de estudar se somos uma cultura de  culpa ou de honra. (Vejam o próximo episódio :)

Emneord: contraste, cultura, língua Av Diana Sousa Marques Santos
Publisert 5. juli 2014 17:15 - Sist endret 15. juli 2015 10:28