Identidade científica ou profissional

Está na hora de separar a profissão de investigador, ou pesquisador, da área ou áreas em que se tenta contribuir para o conhecimento humano, por uma lado, e da área que nos paga a nossa subsistência, por outro. Porque cada vez mais, ao contrário do que alguns locais de trabalho ou organizações pretendem fazer crer, com palavras de ordem como "uma universidade de pesquisa" ou outras semelhantes, pagam-nos para dar aulas e corrigir trabalhos de alunos, enquanto investigamos em "áreas interdisciplinares" que não fazem qualquer sentido para o comum dos mortais, e que: ou nos obrigam, após um suspiro, a uma descrição complexa e complicada, ou nos fazem escolher arbitrariamente uma parte para atalhar a conversa e a confusão.

Não que eu tenha problemas existenciais ou identitários com o que faço e quero fazer, mas irritam-me os estereótipos que estão associados a cada uma das áreas nas quais trabalho e, além disso, uma coisa é a "carteira profissional", outra a realidade. Do qual eu aliás sou a prova perfeita: tenho talvez das melhores qualificações do ponto de vista de engenharia eletrotécnica/informática, mas fui considerada não competente para a posição de prof. auxiliar na Univ. de Oslo na área em que investiguei durante 25 anos; não tenho qualquer competência formal para ensinar português, mas fui aceite como professora catedrática na mesma universidade, no mesmo ano. E não, não sabiam um do outro, não foi uma compensação.

Isto porquê? Porque a minha área é engenharia da linguagem, ou processamento da linguagem natural, ou linguística computacional, ou humanidades digitais, ou tecnologia das línguas, ou ... mais uma centena de nomes que misturam, ou interligam, o uso de técnicas computacionais no estudo e processamento das línguas. Por isso, se digo que sou linguista, não é toda a verdade; se digo que sou engenheira, também não, porque engenheira só já não se pode dizer, dadas tantas categorias como engenharia química, engenharia do ambiente, engenharia dos materiais, etc. E se digo que sou informática, não é toda a verdade também. Porque os "verdadeiros informáticos" não se definem pelas áreas de aplicação: uma base de dados é uma base de dados, uma rede é uma rede... E eu apenas estou interessada em bases de dados para a minha área, e em redes que tenham a ver com objetos linguísticos, não em redes em si...

Mas quando a nossa vida é a pesquisa, é o tentar descobrir formas ou ferramentas que permitam compreender algo e melhorar a pesquisa dos outros, eu tenho mais em comum com um bioinfomático ou um médico que faz pesquisa ou um arqueólogo, independentemente do assunto. Os nossos ritmos, as nossas aspirações, o nosso dia-a-dia são radicalmente diferentes de um médico num campo de batalha (ou num hospital de província), ou de um tradutor, ou de um gestor de um centro de computação paralela. Embora como "carteira profissional" cada um dos três tenha tirado o mesmo curso dos pesquisadores que falei: medicina, Letras, informática.

Estamos numa época de excessiva especialização ou de dificuldade de comunicação? Quando era jovem lembro-me das minhas colegas de ballet a estudar psicologia muito irritadas quando o porteiro nos disse uma vez: "para mim só há 3 cursos: direito, medicina e engenharia, o resto é lixo!" (Com toda a razão de ficarem irritadas, mas era de facto mais fácil para a identidade profissional académica e social quando havia poucos ramos de conhecimento e especialização!)

 O que é que isto tem a ver com cultura e língua portuguesa? Pouco, porque é um problema global, mas também sentido e problematizado em português! E porque me parece que a profissão de pesquisador (no Brasil) ou de investigador (em Portugal) não é ainda aceite ou compreendida socialmente: mesmo que uma pessoa faça investigação a tempo inteiro, é descrita ou concetualizada como professora, ou física, ou bióloga... Basta ir à wikipédia e consultar  (aliás em todas em línguas) o protótipo do investigador: Albert Einstein foi... um físico teórico!

 

Emneord: identidade Av Diana Sousa Marques Santos
Publisert 11. juli 2014 16:17 - Sist endret 15. juli 2015 10:28