Identidade lusófona: existe?

Esta entrada é um pouco pessimista. Por um lado, eu acredito nela (na identidade lusófona) e tenho dedicado a minha vida profissional ao seu fortalecimento e divulgação (na vertente computacional).

Mas, por outro, tenho assistido a muitas demonstrações de que ela é um sonho ou um mito. Aqui vem pois um rol de queixas em forma de lista de choques, que, se faço em público, é porque tenho esperança de que haja não-portugueses que me desmintam ou que contem casos diferentes ou opostos. O meu blogue em geral é ou será uma tentativa de demonstração de que sim, a comunidade lusófona tem uma cultura comum (não só língua), mas eu, como portuguesa e portanto "iludida sobre as glórias pátrias passadas", não conto.

O meu primeiro choque foi quando um colaborador meu brasileiro disse com a maior das sinceridades que português é estrangeiro para um brasileiro. (Eu sei que formalmente, legalmente o é, mas não acredito que haja UM português que consider os brasileiros, ou os timorenses, ou os angolanosm estrangeiros. Pós colonialismo? Falta de tradição linguística? Quando o termo/palavra "estrangeiro" foi criado na mente dos portugueses atuais, ainda não denotava brasileiros?).

O segundo choque -- note-se que ele é/era muito simpático, não é nenhuma afirmação contra ele, calhou apenas ser ele o mensageiro -- foi perceber que as "piadas de portugueses" eram um fenómeno no Brasil, que nem sequer, segundo percebi, estava associado ao carinho que nós temos pelos alentejanos, que são o alvo das piadas portuguesas. Eu só conhecia o "portuga" do' "O meu pé de laranja lima" e estava convencida de que refletia o maor dos brasileiros pelos portugueses...

(...)

O penúltimo choque foi, quando estive no Brasil em casa de uma amiga-colega que me abriu as portas e que me deu a comnhecer a sua (adorável) família, foi ouvir da boca da neta dela de 14 anos que o D. Pedro I do Brasil (um dos meus heróis) era um sacana, que apenas fez o que fez para proteger a dinastia dos Braganças, e que portanto não, não era brasileiro, era português. Ela não era especialmente interessada em história, o choque foi ouvir a voz dos jovens. Ela era amorosa, não tinha nada contra mim, e não fazia ideia de que o que estava a dizer me feriria especialmente...

E o último choque foi este ano em Portugal, em que assisti a uma cena de puro ódio entre um brasileiro e uma portuguesa, no Hospital de São José, ambos de classes muito baixas, a trabalhar como auxiliares ou mesmo abaixo disso. Ela teria os seus 40 anos, ele os seus 30, e ela estava a tentar (como veremos, sem qualquer sucesso) tornar-se amiga dele, ou pelo menos tomar contato com ele. Tudo começou com qualquer comentário linguístico vulgar de lineu (do tipo "vocês dizem assim e nós assado, possivelmente sobre bica e café, ou pequeno almoço e café da manhã"), que é o pão nosso de cada dia em Portugal na interação entre os milhares de imigrantes brasileiros e os nativos, e em que ele não gostou ou respondeu de forma pouco cordial.  Mas ela não se deu por achada, e arremeteu, na próxima vez que passou por lá (eram cinco da manhã, ele estava a encher de sanduíches as máquinas que têm comida), ela foi outra vez ao pé dele, e disse, de uma maneira muito amigável, "mas não sabes que foram os portugueses que descobriram o Brasil? O Pedro Álvares Cabral?", ao que ele responde "?#!%## Esse sacana devia ter sido morto! É graças a ele que o Brasil está como está..." e com uma cara de ódio, de tal maneira que ela fugiu espavorida e com ar bastante espantado. Eu estava à espera de um táxi e fiquei relamente estarrecida, por ver o confronto duas "Histórias" (oficiais) irreconciliáveis e incompatíveis, mas que são ambas injustas. Nenhum deles tinha, claro, lido a carta do Pero Vaz de Caminha sobre a Descoberta do Brasil, http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/a-carta-de-pero-vaz-de-caminha-1627013 nem pensado como ELES fariam se encontrassem um povo novo (tanto de um lado como doutro).  Tenho de admitir que, do pouco que me tinha sido dado ver sobre os dois atores neste drama (tinha aliás falado com o brasileiro antes disso, e ele tinha sido extremamente simpático para mim, portanto não estamos a falar de algum misógino pouco representativo), ambos separadamente pareciam bons exemplos de lusófonos da sua classe.

Será que não há mesmo identidade mas sim ódio recalcado de uma lado e saudade/saudosismo por outro?

Será que é por eu viver num país/cultura ainda mais diferente que a identidade ou comunhão lusófona é mais visível e óbvia? Também pode ser. De qq maneira, irei relatar outras coisas, boas e más, noutros blogamentos :-)

Emneord: cultura, identidade, lusofonia Av Diana Sousa Marques Santos
Publisert 14. juli 2014 14:11 - Sist endret 15. juli 2015 10:28