A história e as histórias

Este ano em Portugal vejo muitos livros de História, e muitos romances históricos, histórias que se passam na História, geralmente de Portugal. Visto que (ainda?) não os li, apenas posso constatar, com surpresa e talvez com preocupação, que os portugueses de repente parecem muito centrados no passado.

Ou, por outro lado, posso pensar que finalmente começaram a desenvolver algum orgulho pelo sua identidade após décadas de subserviência ou de modéstia desprestigiante. Décadas ou séculos em que sempre pensámos que "O que vinha de fora era melhor", e que o estrangeiro era superior ao nacional.

Como de costume, isto é um pau de dois bicos, visto que nacionalismos são em geral de cariz obscurantista, e a globalização deveria (?) fazer-nos cada vez mais cidadãos do mundo. Mas por outro lado, certamente somos cidadãos com um passado que merece conhecimento, investigação e até orgulho.

Uma das coisas que me chama a atenção (e me desagrada) é a modernização das mentalidades dos protagonistas do passado, de maneira que todos somos iguais com as mesmas preocupações e desejos, quer vivamos no século doze, quer no vinte e um! Assim, e com as boas intenções, ou a falta de imaginação, dos escritores, temos um nivelamento das histórias e dos tempos, precisamente aquilo que seria mais interessante ler e absorver em histórias passadas no passado (ou no futuro). Dou um exemplo: um recente romance sobre D. Teresa (mãe de D.Afonso Henriques) no primeiro capítulo parecia uma história sobre a juventude atual, com três irmãs a fazer travessuras e a ama/precetora a queixar-se... Ora eu não sei exatamente como era crescer em 1095, mas duvido -- porque me lembro de como a minha infância era diferente da das minhas filhas, e porque me lembro de a minha mãe e a minha avó me contarem a infância delas e das avós delas, que não era como a de agora. E por isso, por conhecer e me maravilhar em relação a diferenças entre idades/épocas tão pouco remotas e contudo tão diferentes, acho absolutamente improvável que no tempo da D. Teresa fosse como agora.

Por outro lado, eu sei que não poderemos talvez nunca saber ou imaginar como era há mil anos, sem ter livros ou histórias passados nessa altura... e por isso o problema dos escritores de romances históricos. Mas sem saber a solução, acho que muitos dos resultados são demasiados simplistas e faltos de imaginação. Não senti isso com os livros do Bernard Cornwell, mas com  os da Kamilla Shamsie (sobre uma inglesa há cem anos), não senti isso com (pasme-se!) a Inês da Margarida Rebelo Pinto, mas logo cheirei a modernidade na D. Teresa de Isabel Stilwell.

Apetece-me reler a Voz dos Deuses do João Aguiar, para ver se um livro lido na minha juventude passava por falta de reflexão minha, mas tinha os mesmos defeitos, ou se, pelo contrário, era distante no bom sentido de recriar outra cultura.

Reparo que pelo título parece que estou a criticar também os historiadores, ou as obras de História. E isso, obviamente não! Muito pelo contrário, penso que o facto de os livros de História estarem nos escaparates (e não apenas nas bibliotecas bafientas) significa que a História hoje em Portugal consegue ser do interesse do público leitor. E reconheço com orgulho que os livros de história que tenho lido ultimamente são extremamente bem escritos, tão interessantes ou mais que um romance! Por isso -- e embora não possa evidentemente avaliar o próprio conteúdo ou a qualidade da investigação subjacente -- tiro o meu chapéu aos historiadores portugueses, pela clareza, interesse e qualidade da língua e da exposição. A jeito de inventário, ou para referir quais os historiadores (ou livros) a que me refiro, escolho: José Mattoso, Identificação de um país, e  a História da Expansão e do império português, de João Paulo Oliveira e Costa, Pedro Aires Oliveira, José Damião Rodrigues.

Emneord: Portugal, história, identidade, literatura Av Diana Sousa Marques Santos
Publisert 30. juli 2015 18:30 - Sist endret 17. mars 2016 10:06