A questão das recensões num âmbito mais geral

(Para os poucos que leem este blogue e não sabem que eu sou apologista de assinar as recensões ou pareceres, aqui vai a minha "assinatura":  http://www.linguateca.pt/Diana/SignedReviews.html)

Li há pouco um livro muito interessante sobre a recensão pelos pares (peer review) como um mecanismo associado à evolução (biológica e cultural), que quero discutir aqui. O autor dedica-o a todos os que sofreram com essa prática... todos nós, diz ele, e a todos os que a praticaram... todos nós, diz ele.

Lehky, Serge. Peer evaluation and selection systems: Adaptation and Maladaptation of Individuals and Groups through Peer Review. BioBitField – Elicott City, MD. 2011.

Ao contrário do que poderíamos pensar, o livro não se dedica especialmente à cultura científica (embora eu imagine que 99,9% dos seus leitores o vão ler porque pensam que sim): o que é interessante é que ele usa um termo típico dela, peer review, para dar nome à atividade que todos nós fazemos no dia a dia, e que é comentar ou aprovar/reprovar as atividades e posições dos nossos iguais -- ou desiguais. Não me estou (especialmente) a referir às maozinhas do "Gosto", "Curto", e outras manifestações nas "redes sociais", mas ao comportamento humano em todas as redes sociais do mundo (antigo e moderno): os olhares de aprovação/reprovação à passagem de outros, os comentários elogiosos ou irónicos, as conversas entre amigos e colegas, as preleções, avisos e ameaças, etc. etc. etc.

O autor contrasta vários tipos de sociedades (animais) e chega à conclusão de que a apreciação pelos pares apressa a evolução, mas que só funciona (positivamente) em áreas com um crescimento lento. Para mudanças de paradigma (como já o livro Nos bastidores da Ciência tinha notado), é completamente perniciosa e irrelevante.

O livro descreve a degenerescência (termo de que discorda mas que não quis alterar), ou seja, a criação de várias pessoas parecidas mas todas únicas como a melhor forma de uma sociedade se preparar para o futuro e para a evolução, assim como mostra a necessidade dos conservadores e dos progressistas como estratégia social para estar preparado para todas as eventualidades.

Descreve também as caudas dos pavões (de que não me lembro agora do nome científico) ou seja, as características excessivas que passam a ser prejudiciais. Essa é uma característica de uma sociedade com apreciação pelos pares, e pensamos logo em coisas como distúrbios alimentares nas jovens... ou várias normas numa cultura que deixaram de ter sentido mas que são apreciadas porque fazem parte de uma tradição.

O livro tem como objetivo fazer-nos refletir sobre as "razões" de uma tal prática, e tem como resultado colateral tirar a apreciação pelos pares do pedestal da "cultura científica" e explicá-la como uma atividade humana e social. Se refletirmos sobre várias das coisas que lá estão explanadas, chegamos possivelmente a novos métodos de criar "pares" numa revista ou conferência, e também à resolução de conflitos ou dúvidas sobre esse mesmo processo.

Uma coisa que fica clara é que respeitar/obedecer à prática de "peer review" como se fosse um artigo de fé, é muito pouco científico. E uma coisa que me deixa sempre espantada é a população académica ser tão pouco critica... mas sobre isso escreverei noutro dia.

 

 

Emneord: ciência, sociedade Av Diana Sousa Marques Santos
Publisert 8. juli 2015 16:43 - Sist endret 15. juli 2015 10:28