Mas a primeira vez que tive um trabalho depois de obter o grau, tive-o "apesar" dele, porque era sobrequalificada, e a segunda vez -- que tive o trabalho da minha vida, que foi criar a Linguateca -- desconfio que era irrelevante tê-lo. Ou talvez não, talvez fosse preciso ter o grau, ter provado que se conseguiu (mais uma vez) chegar ao topo, mas tê-lo-ia tido se tivesse escrito sobre a vida sentimental das formigas. Ou seja, o grau, o papel, o canudo... foram provavelmente necessários. Mas o conteúdo do dito papel (mais de 600 páginas) foi bastante irrelevante.
Mas que "rendimento" é que poderia ter?
A primeira coisa, foi que eu pensei que tinha ideias muito originais e revolucionárias, e que, desde aí, toda a gente usaria os meus modelos e descobertas para descrever o tempo e o aspecto na língua portuguesa. Passados vinte anos, não só ninguém o faz nem nunca fez, como não é citado nem reconhecido por ninguém, o que faz com que investigadores no futuro nunca venham a saber do meu trabalho, e portanto nunca o possam utilizar.
Veio daí muito mal ao mundo? Provavelmente nenhum. Mas diz algo da utilidade ou falta dela dos trabalhos científicos, em que modas e cliques decidem o que é citado e lido. Adeus esperança de que todos contribuem para um conjunto de conhecimentos maior e melhor...
Outro "rendimento" que não existiu poderia ser eu ter continuado a trabalhar na mesma área e ter desenvolvido e aperfeiçoado as minhas descobertas. Mas qual Sartre deu-me uma náusea durante alguns anos que nem conseguia ler artigos sobre o assunto, e os que leio agora parecem-me inúteis e vazios. Trabalhei demais num assunto? Afinal foram só cinco anos, mas não se tornou O assunto da minha vida.
Mas aprendi alguma coisa? Aprendi muito, e em particular aprendi a gostar ainda mais de tradução, e de processamento de corpos, afinal coisas em que acabei por investir muito mais do que no tempo...
Valeu a pena? Não teve rendimento nenhum, mas foi uma obra minha. Continuo a achar que tem muitas ideias e interpretações válidas. E depois escrevi uma versão depurada no que foi o meu primeiro livro. Mais outra obra que não teve a saída que eu esperava ou imaginava, mas com a qual continuo a concordar no essencial. E que não teria sido escrita se eu não tivesse escrito a tese.
Ah, uma coisa importante aprendi: não faz sentido, nem vale a pena, escrever em inglês para atingir a comunidade internacional. Se eu tivesse escrito em português, teria escrito muito melhor, e sobretudo teria tido muito mais leitores!
Teria feito o mesmo se soubesse que passado 20 anos a minha tese seria completamente irrelevante, à espera (ainda e provavelmente sempre) de ser descoberta? Por um lado, felizmente que não sabia. A esperança é uma grande produtora...
Mas quando se escreve uma tese, quantas vezes se acerta? Quantas vezes esse é o trabalho da nossa vida? Talvez nunca.
Talvez tenha chegado a altura de eu tentar escrever a obra da minha vida. Com maturidade e experiência suficiente, e ainda com capacidade para muito trabalho. 2017 será esse ano. E será em português.