Emoções na língua: algumas ramificações

Após apreciar a interessante tese da Margarida McMurray, defendida em Oslo há dez dias, e a sua discussão de vários contos de Borges, tema proposto pelo júri, decidi discutir algumas ramificações das emoções na língua e da língua das emoções aqui, estreando o novo enquadramento para blogues da UiO.

E vou falar de duas emoções e a sua relação com o resto do mundo: a primeira é de zanga, ou indignação, que procede de uma avaliação de que alguém nos fez mal, que fomos objeto de uma injustiça. A zanga é uma emoção estranha, porque embora seja aparentemente universal e até animal, pressupõe uma avaliação (subjetiva, cognitiva) de uma situação que nos é adversa. Qual é o oposto da zanga? Não existe uma palavra ou conceito para isso. Dependendo do contexto, uma pessoa que não está zangada pode estar triste, ou pode estar feliz, ou pode estar indiferente... Não existe um significado para "não estar zangado", nem uma palavra dezangar (temos apaziguar, acalmar).

A segunda emoção, que também pressupõe avaliação, mas que é neste caso (graças a Deus!) positiva, é a confiança -- que tem de proceder de uma análise de que estamos bem, podemos fiar-nos numa pessoa (ou num animal ou numa sociedade). Uma das coisas interessantes é que a confiança não precisa de ação, mas a desconfiança, sim. Quem desconfia, rói-se por dentro, tem de estar vigilante, sempre a processar novos golpes. A confiança tem portanto um antónimo morfológico, mas com características próprias. Não confiar é quase desconfiar.

A língua portuguesa aqui tem uma atitude clara: confiar é mais primário, mais básico, mais natural. Desconfiar pressupões ação, movimento, desassossego. Zangar-se é um estado provocado por uma avaliação nossa, e como estado que é, apenas tem a possibilidade de ser dissipado.

Outra forma interessante de observar as emoções na língua portuguesa, é ver como ambas podem ser usadas como transmissoras de discurso direto... -- estou apaixonada -- confiou-me a Maria, ou  -- Não acredito!-- zangou-se o pai, mas confiar significa também um verbo de dizer pleno: ela confiou-me os seus anseios... enquanto zangar apenas indica a emoção com que algo é proferido.

Publisert 25. apr. 2016 15:54 - Sist endret 27. apr. 2016 00:16