Ignorância norueguesa sobre o 25 de Abril: o que podemos fazer?

Uma das cruzes de viver num país estrangeiro é a ignorância e falta de interesse que esse país, e os seus meios de comunicação social, demonstram sobre a nossa cultura, e neste caso, sobre algo que foi importante e teve repercussões a nível mundial.

É certo que abundam as anedotas sobre a ignorância e a falta de cultura norueguesa em relação ao resto do mundo e muito especialmente ao mundo luśofono, mas foi há menos de 50 anos que a Noruega se rendeu ao 25 de Abril, a revolução dos cravos, aqui chamada Nellikrevolusjonen.

Contudo, nos poucos artigos esta semana no Aftenposten, o maior jornal norueguês, que tinham a ver com Portugal ou poderiam ter, o desconhecimento e falta de interesse foi esmagador. Refiro-me à menção do "golpe de Estado" num artigo sobre a situação dos toxicodependentes no Porto, e à discussão do fascismo na Europa.

Pior ainda, quando confrontados com essa (digamos) imprecisão -- para mim e para todos os portugueses, penso eu, extremamente insultuosa -- através de uma carta ao jornal, em norueguês, de um cidadão norueguês que transcrevo aqui, o jornal simplesmente recusa-se a publicá-la, visto que há assuntos muito mais importantes a tratar.

"I Aftenposten sist lørdag sto det en artikkel om narkotikapolitikk og Portugal. Det som gjelder narkotikalovgivning og narkotikabruk, skal jeg ikke ta stilling til. Men jeg reagerer på en kjapp og litt vel lettvint innføring i portugisisk samtidshistorie, når forfatterne skriver at: «Bruken av ulovlige rusmidler eksploderte utover 70- og 80-tallet, etter et militærkupp (…).»

At det som skjedde 25. april 1974 i Portugal for et militærkupp, er en sannhet med modifikasjoner. Når det gamle fascistregimet ble styrtet akkurat da, var det helt klart etter initiativ av lavere offiserer og befal ved flere avdelinger. Men det var langt ifra noe militærkupp slik vi kjenner det fra for eksempel Latin-Amerika, Spania i 1936 og også fra Portugal på 1920-tallet. De startet en revolusjon. Så snart det ble kjent, fikk soldatene massiv støtte fra størsteparten av befolkningen, sivile ledere sto fram, og det gamle regimet falt som en råtten frukt på en formiddag. Jf. dette bildet fra da statsminister Marcelo Caetano ble tatt til fange i en av de første timene på revolusjonsdagen 25. april 1974:

http://casacomum.org/cc/dossiers/25a_mobile/?photoId=10456.005&lang=pt

Så fulgte et år eller to med diskusjoner og aksjoner att og fram med stort folkelig engasjement, før Portugal fikk satt seg som et demokratisk land på linje med Norge og andre land i Vest-Europa.

Militære utløste det som ble en revolusjon i demokratisk lei, «Nellikrevolusjonen». Noe militærkupp i vanlig forstand var det ikke."

É triste, mas típico, que uma revolução como foi o 25 de abril, que, repito, foi única e teve consequências importantíssimas a nível mundial, seja totalmente esquecida, desprezada e menorizada por um país que em teoria pertence ao mesmo quadrante político e cultural, o ultimamente tão acarinhado "Ocidente" (sobre a história deste conceito duvidoso, veja-se o artigo do filósofo Kwame Anthony Appiah, em The Lies that Bind: Rethinking identity, 2018).

Neste ano e no próximo estão a ser planeadas muitas comemorações do 25 de abril, em Portugal e no mundo. Será que conseguiremos trazer para os meios de comunicação principais (mainstream) na Noruega esse tema? Tenho, infelizmente, muitas dúvidas, mas aqui fica um repto. Não podemos deixar, por preguiça ou por desistência, Portugal no mito de país pequeno e pobre, muito inferior à Noruega. Porque embora os noruegueses sejam de facto muito ignorantes e preconceituosos (exatamente porque são um país pequeno e pobre (antes do petróleo), sem elites), também temos a responsabilidade de os educar e de mostrar as coisas com que eles podem aprender doutros povos e doutras histórias, em vez de aceitar humildemente a nossa "inferioridade".

Publisert 20. sep. 2023 12:28 - Sist endret 20. sep. 2023 12:28