O dia em que soube que era racista

Na passada sexta feira assisti a uma apresentação, muito interessante, sobre tensões raciais no Brasil.

Mas, o que me chocou mais, foi compreender que uma atitude que eu (ainda) considero racional é considerada "racismo puro e duro". Essa atitude é simplesmente a de aceitar que, se se sabe que numa dada população (digamos os minhotos) é muito mais comum haver ladrões do que noutra (digamos os algarvios), um polícia está perfeitamente justificado em parar mais vezes minhotos que algarvios, sem ser considerado racista -- e sem ser racista.

Isto mesmo sabendo perfeitamente que, se os minhotos roubam mais, não é por serem piores, mas por razões (injustas) que eles próprios não controlam: serem mais pobres, serem ensinados a roubar, terem outra personalidade ou cultura.

Claro está que todos sabemos, mesmo eu, que isso é injusto para um indivíduo minhoto que nunca roubou. Mas, se for investigado pela polícia e se se vir que não leva nada roubado, porquê sentir-se ofendido ou dizer que o polícia é racista? Ele está apenas a fazer (bem) o seu trabalho.

Todo o conhecimento humano está baseado na generalização a partir de alguns casos. A partir de agora generalizações que possam considerar a raça/grupo/sexo/região são consideradas racismo/sexismo? Parece-me que isto é incorreto, e perigoso. O ser humano não pode deixar de generalizar. O racismo é tratar mal ou considerar a priori que uma raça/sexo/região/religião é pior. Isso não significa -- na minha opinião -- não poder generalizar traços de populações em situações determinadas.

Compreendo perfeitamente que um minhoto que nunca roubou pode detestar ser sempre investigado mais do que os algarvios (eu tb detestaria), mas é errado, na minha opinião, que se considere que isso é devido ao racismo (em vez da eficiência) dos polícias.

Da mesma forma que certas subpopulações devem ser mais investigadas em relação a uma doença do que outras, ou que certos sinais externos de riqueza levem a que os impostos de outras subpopulações sejam mais escrutinizados do que outras, ou que crianças baixas sejam mais interrogadas sobre a idade ao entrar num cinema do que outras, ...

Ou seja, há um problema que na minha opinião é grave nos movimentos -- claro que bem intencionados -- para impedir a discriminação racial. É o de moralizarem atitudes racionais em vez de as explicarem e até desculpabilizarem, é o de recusarem explicações mais complexas que entram em conta com a interação entre factores como a classe social e a raça (ou o sexo), é selecionarem apenas um problema para resolverem.

Eu sei, a partir de agora vou ser chamada racista.

Na minha opinião, não é verdade, eu não acho que a raça tenha alguma importância. Mas acho que é errado fingir que não há correlação, na maior parte das sociedades, entre traços culturais e raciais. Mesmo que os estereótipos sejam errados, eles existem, e chamar às pessoas racistas em vez de, pelo contrário, discutir donde os estereótipos vêm e talvez atenuá-los, dando mais informação e conhecimento histórico, é errado.

Eu posso dar um exemplo da minha própria vida na Noruega: imigrantes de países que não falam inglês são considerados pessoas de segunda categoria, que vêm para cá porque os países deles são muito piores. Essa é a generalização que a maior parte dos noruegueses faz quando ouve que sou portuguesa, ou simplesmente me vê e ouve -- e sou naturalmente indistinguível em termos de aparência de norte africanas ou latino americanas, que provavelmente ainda estão mais abaixo na hierarquia popular norueguesa.

Ora eu posso andar por aí remoendo "os noruegueses são racistas" (o que não aproveita a ninguém e me estraga a vida), ou simplesmente na primeira oportunidade dizer "vim para a Noruega porque a minha sogra não tinha ninguém que tratasse dela" ou "ao vir para a Noruega trouxe bastante financiamento português" ou mesmo "infelizmente a Noruega tem um sistema escolar péssimo, se eu soubesse não tinha vindo". Claro que os noruegueses são livres de acreditar ou não no que eu digo, e eu também não digo isso a toda a gente que encontro :-), mas talvez alguns deles passem a adicionar ao seu modelo do mundo que nem todos os imigrantes vêm para cá para aproveitar as delícias da Noruega... A minha esperança é que, pelo menos no caso das pessoas que me vão conhecendo melhor, passem a ter uma melhor impressão dos estrangeiros (ou pelo menos das pessoas do sul da Europa, ou dos portugueses). Claro, a generalização depende, para eles, das outras pessoas que conhecem -- mas também de mim, de se eu consigo ou não dar uma boa impressão.

Ou seja, não pensei na minha vida ter de vir a reconhecer que era racista, mas segundo algumas tendências, teorias ou pessoas, sou. Mas não sou! E isso faz parte da minha identidade pessoal e cultural. Saber reconhecer que uma pessoa é de uma dada raça/cor/conjunto social não é considerar que ela é menos boa em nenhum sentido. Pelo contrário, é, ou pode ser, uma forma de respeito e curiosidade pela diversidade.

 

Av Diana Sousa Marques Santos
Publisert 17. nov. 2014 11:23 - Sist endret 15. juli 2015 10:28