O festival da canção e a globalização furada

Parece que este ano o Festival da Canção entrou no Guiness como o acontecimento musical mais longo da história -- penso que os jogos olímpicos gregos, que também tinham competição musical e poética, não estão no Guiness.

Mas a razão que me leva a escrever sobre o dito é linguístico-cultural: este ano foi de tal maneira patente a escolha da língua nacional pelos países do sul/mediterrânicos, e a escolha do inglês pelos países do Norte e do Leste, que me suscitou uma reflexão sobre os quarenta e tal anos em que segui o Festival  -- de formas e lugares muito diferentes, claro.

O Festival da Canção na minha infância era um acontecimento televisivo tão interessante como... não, era o acontecimento televisivo mais emocionante do ano. Depois a Cornélia, e as séries, e os programas cómicos. De qualquer maneira, eu não via muita televisão.

Mas voltando ao festival -- e lembrando-me de um programa na televisão chamado "Se bem me lembro" do Vitornio Nemésio, que eu só via (como criança) para ver/contar as vezes que ele mudava de assunto... agora a vingança é que estou na mesma.

Mas, voltando ao festival :-), desde o apoio e emoção em relação à Tourada, ao desejo (confesso, neste momento compreendo que seria pouco apropriado) de mandarmos uma canção revolucionária de intervenção com o José Mário Branco em 1974 (foi antes o Paulo de Carvalho com uma romântica), assim como ter torcido patrioticamente pelo meu país em toda a minha infância e adolescência, embora com gradual distanciamento de coisas como "Sobe, sobe, balão sobe" ou as Doce (cúmulo do foleiro, mas o que é certo é que ainda me lembro do  "Duas da Manhã..." e por aí adiante), que já não me lembro sequer se foram à eurovisão ou não.

Mas o interesse atual com que o que sigo, da Noruega, é certamente devido mais à minha vontade de manter a coesão familiar -- ver e comentar com as minhas filhas, agora por sms -- do que a qualquer esperança de que Portugal se evidencie musicalmente. E o meu interesse nesta fase da vida é mais na auto-ironia que sobretudo os apresentadores cada vez mais ostentam  e nas soluções técnicas do palco do que nas próprias letras ou músicas ou desempenhos dos artistas.

Mas pare este blogue, o que me motivou a escrever foi este ano ter-me (mais uma vez) apercebido que o orgulho cultural (e linguístico) na própria língua -- que era, aliás, uma das razões por que o festival era tão interessante no tempo antigo: ouvir outras línguas e outras músicas... só se mantém na Itália, Espanha, Grécia, França e Turquia (e espero que Portugal, claro!).

Do ponto de vista cultural, é certamente interessante. 

Mas triste (no que respeita aos outros países todos -- exceto, naturalmente, os de língua inglesa, que não têm outro remédio (?) senão cantar em inglês) por acharem que estão melhor representados a falar (cantar) em inglês (muitas vezes com uma pronúncia ou uma entoção que não permite perceber uma única palavra!), geralmente com canções escritas por suecos! -- que se "doutoraram", através dos ABBA, em festivalês e exportam o seu saber-fazer para todos quantos queiram pagar por uma letra ou música com hipóteses.

Triste, não porque em termos musicais os países estejam bem representados (o estilo "festivalês" é por si só um estilo de baixa qualidade, embora alguns músicos sérios o tenham tentado e conseguido), mas porque um dos objetivos iniciais do festival, dar a conhecer ao resto da Europa o espírito, o estilo, a língua dos outros países, passou a ser um campeonato de quem faz tal qual como os suecos a cantar em inglês... por isso (mais) uma globalização que saiu furada.

E -- só para mostrar que sei alguma coisa da história do festival -- algumas das músicas mais conhecidas ao longo dos tempos foram: em italiano: "Volare", e em francês, "Tu te reconnaitras" e em hebraico "Aleluia". E a "Tourada", pelo menos para nós!

Emneord: Portugal, cultura Av Diana Sousa Marques Santos
Publisert 11. juni 2015 15:50 - Sist endret 15. juli 2015 10:28