Otelo representa o melhor do português -- o herói português -- exaltado, ousado, companheiro, justo, não agressivo, sincero, seguindo o coração, impetuoso, íntegro, generoso, não calculista, espontâneo, popular.
Ele nunca se deixou arregimentar, seguiu os seus bons instintos -- e as pessoas por quem se entusiasmou, como o Fidel Castro, ou a Isabel do Carmo -- mas nunca pretendeu tomar (nem tomou) o poder. Quando lhe deram o poder (como comandante do CopCon), usou-o para defender os desprotegidos, usou-o para fazer justiça, pelo povo. Sempre com generosidade e humanidade, mas obviamente militar.
Otelo não era um ideólogo, nem tinha quaisquer pretensões a sê-lo. Fez muitas vezes afirmações inconvenientes e claramente nada diplomáticas, como a referência ao Campo Pequeno (que aliás sempre foi citada erradamente) ou as armas roubadas estarem em boas mãos. Mas para mim isso só mostra que ele não era um político, era sim um revolucionário.
Otelo, tal como a face da revolução que foi, foi também escolhido para bode expiatório de toda a direita -- e também, segundo dizia ele, do PCP, e segundo dizem outros do PS, que nunca perdoou ao destino terem sido os militares a derrubar o fascismo. Por isso todo o processo da FUP -- de que aliás o Otelo reconheceu que deveria ter saído logo após o primeiro ataque terrorista, como foi aconselhado, mas em que ficou -- por ingenuidade, primeiro, e para não deixar os outros presos sozinhos, depois. (Porque ele não é traidor, e não abandona o barco, mesmo reconhecendo que errou.)
Ele foi claramente aproveitado pelas FP-25, e pagou o preço na prisão. Nunca foi possível provar que ele tivesse decidido ou planeado ou sequer aprovado ações terroristas, porque ele simplesmente nunca o fez. Não é preciso ser a Miss Marple para compreender que tal seria claramente contra o seu carácter e em contradição com toda a sua atuação ao longo da vida. Se lhe perguntavam (como eu o fiz) se ele achava que merecia, por ter feito o 25 de Abril, não ser condenado por crimes de terrorismo, ele respondia imediatamente que não: se ele tivesse feito terrorismo, devia ser preso.
Otelo era amigo de quase todos os militares de todos os segmentos/quadrantes -- e manteve-se até ao fim amigo de Eanes e de Vasco Lourenço, segundo estes afirmam.
Otelo é o nosso Che Guevara, o nosso Garibaldi. Sendo bem português, é muito mais brando. Mas isso não é um defeito, é uma virtude. Como grande português que é, foi injustiçado em vida. O país não lhe foi grato (tirando uma meia dúzia de pessoas, como o Manuel Alegre e os ditos "anónimos" que foram ao seu velório). Mas isso é infelizmente a sina de Portugal: basta lembrarmo-nos de Camões.
Em 2074, Otelo será a face do 25 de Abril. Será considerado um herói nacional, terá ruas, estátuas, livros, teses, filmes sobre ele. Mas teve de morrer sem luto nacional, com energúmenos a acusá-lo de crimes que ele não cometeu, e -- ainda pior -- com políticos hipócritas que mencionam outros participantes menores para dar a desculpa de não homenagearem o maior participante, estratega e motor do 25 de Abril.
Graças ao Otelo, eu orgulho-me de Portugal. Graças ao Otelo (e aos seus camaradas do 25 de Abril), tivemos uma revolução pacífica e um processo revolucionário exemplar sem violência. Quem não comete erros? Quem não se deixou entusiasmar e sonhar nos anos de 1974 e 1975? Porquê acusar um homem que se entusiasmou e sonhou mais do que os outros?
Mesmo nas suas indecisões ou incoerências, o resultado foi sempre evitar a guerra civil.
O Otelo é o meu herói. Bendito seja o nosso país por ter tido um Otelo, no fim do fascismo e nos primeiros passos da nossa democracia!
