Prioridades e falta de planeamento

Este "artigo" pode ser difícil de classificar, dentro dum blogue que é sobre questões de identidade, questões de cultura, literatura ou língua lusófona, ou sobre história e ciência... Bem, sendo um blogue, claro que posso em teoria escrever sobre o que quer que seja, mas sendo um blogue temático que deveria refletir os meus interesses e competências, seria estranho pôr-me a discutir saúde, educação de crianças, ou penteados...

Mas decidi que prioridades -- embora em geral não tenham nada a ver com a lusofonia -- têm a ver, ou têm, melhor dizendo, consequências que podem até vir a ser dramáticas para, por exemplo, a atividade docente numa universidade.

Mas para não deixar que este blogue se torne um muro de lamentações, ou um instrumento político numa luta académica, não vou por aí!  Vou tentar ser o mais geral possível, sobre liderança e estilos de governar.

Vou usar um exemplo inicial inspirado numa realidade concreta, mas modificado para ser mais legível. Era uma vez uma biblioteca, que tinha várias áreas de atuação. A certa altura, decidiram fazer obras, e reformular todo o espaço (físico). A liderança decidiu dar prioridade a esse aspeto. (Como porquê ou em que bases, não vem ao caso. Liderança dixit, é para isso que eles lá estão, não é?) Passado alguns anos, um lindo edifício foi construído. Só que... não tinha quaisquer possibilidades de acomodar as coleções raras e valiosíssimas que estavam ou tinham estado na cave, porque agora a cave era necessária para as máquinas de digitalização. Durante os vários anos de construção, os pobres empregados nas coleções raras tentaram falar com a direção e discutir o problema deles, mas foi-lhes sempre dito que PRIMEIRO estava a nova construção; depois logo falariam. Depois, foi tarde demas. Mau planeamento? Talvez. Mas quem tem o direito de estabelecer prioridades?

E uso agora o exemplo (também um pouco simplificado) da disciplina de português numa universidade. Essa disciplina precisa de mais um professor, mas poder dar uma oferta satisfatória de mestrado, bacharelato, e um curso-de-um-ano. Tendo em conta esses três ramos, seria fácil justificar a contratação de mais pessoal docente... Mas, hélas! os líderes decidiram (out of the blue?) que iam dar prioridade ao bacharelato. Em todos os cursos. Ora o bacharelato de português tem muito poucos sucessos (ao contrário do mestrado e do curso-de-um-ano) e por isso o português, se medirmos/dermos prioridade só ao bacharelato, não tem chances!

Mas quem tem o direito de decidir sobre prioridades? E fazer orelhas moucas a quem aponta que as prioridades são injustificadas e podem levar a consequências funestas? A liderança, que afinal, foi apenas  contratada para fazer o que quiser, dando os "argumentos" em forma de prioridades sem qualquer qualidade. Uma universidade? Não devia ser a elite intelectual? Isso poderia acontecer numa padaria, ou numa empresa de construção, mas não certamente numa universidade -- pensam os leitores que não estão nesta situação. Na universidade de Oslo, contudo, isto é o pão nosso de cada dia. Como o meu blogue não é sobre a cultura organizacional da Noruega, fico-me por aqui.

A "lebre" que eu gostaria de levantar com este texto, levando as pessoas a refletir, é que as prioridades impostas são apenas uma das muitas formas de sermos enganados por certo tipo de liderança, que gosta de inventar argumentos aparentemente racionais para objetivos pouco racionais, ou pelo menos não explícitos. Falta de transparência, mas com um viés "científico"!

Na prática, é possível que seja preciso dar prioridade a certas coisas em relação a outras. Mas, para poder estabelecer prioridades, é preciso primeiro ter uma visão de conjunto, e ter a noção das consequências de cada prioridade. Não simplesmente tirar uma bola do chapéu e começar por esta -- sem olhar para o lado. Nem argumentar a favor duma prioridade sem ter conhecimento de (ou escamoteando) as consequências dela.

Outra questão que também é preciso equacionar é se é sempre preciso dar prioridade a alguma coisa. Se um modelo por interrupções (como o modelo por que os seres vivos funcionam, segundo alguns autores) não é muito melhor. Claro está que, se os líderes têm défice de autoridade -- no sentido de pensarem que precisam sempre de dar ordens, senão não são chefes --, estarão sempre a arranjar novas medidas para demonstrarem o seu desempenho como líderes. Em vez de perceberem que o seu desempenho como líderes é apenas (ou deveria apenas ser) medido pela forma como a unidade que lideram funciona. A melhor unidade é aquela em que os chefes precisam de fazer o menos possível!

 

 

 

 

Publisert 25. apr. 2017 13:47 - Sist endret 25. apr. 2017 13:53