Um Natal português?

Um Natal português? O que é isso?

Este ano dei-me conta de que perguntei a duas pessoas diferentes, uma da África do Sul, outra da Irlanda, como é que eles festejavam o Natal. Recebi respostas muito interessantes, mas para aqui o que me interessa foi que fui "obrigada" a responder quando me perguntaram "E em Portugal?"
Bem, (e claro que a resposta depende/dependia/dependeu do que ouvi delas) porque a pessoa escolhe o que quer contar com base em várias máximas comunicativas (diferentes). Uma delas, no meu caso, é tornar Portugal interessante. Mas mostrar também que não somos demasiado exóticos, e portanto que algumas das coisas são comuns com o que me disseram.

Mas deixemo-nos de preliminares: a minha resposta foi: -- o presépio é que é típico para Portugal. E, de facto, por exemplo na minha casa temos muitos presépios (seis!). Claro, também há a árvore, mas o presépio é um estilo "Play mobil" para toda a família. E sim, ou não, a árvore (que também é de plástico a maioria das vezes, como na África do Sul) fica a um canto, tal como na Irlanda: não se dança à roda, e não se põem bandeiras.

Depois, o tempo para falar do Natal (a janela de atenção) passou e nós continuámos as atividades em que estávamos empenhadas -- uma, vestir-nos depois de fazer ballet, outra, continuar a conversa incessante de amigas que se veem de três em três meses e nunca conseguem contar tudo.

Mas -- o Natal tem muitos outros lados na tradição portuguesa, e na minha em Portugal, eu que sou da geração em que os ventos mudaram muitas vezes (mas a influência passou a ser infelizmente cada vez mais americana, e por isso indiretamente inglesa).

Palavras ou conceitos que eu ainda associo ao Natal são "a missa do Galo", embora nunca tenha ido a nenhuma, são o madeiro de Natal, cantar as janeiras, e os Reis. Não vou falar da excelsa e abundante comida e doçaria de Natal, não porque não a adore, mas porque não consigo falar de culinária. Mas outro conceito é o Pai Natal -- a única religião que nunca fez vítimas, talvez porque não tem adoradores depois dos dez anos.

O Pai Natal ou São Nicolau foi inicialmente um padre/patriarca grego bom que dava prendas escondidas a crianças pobres, provavelmente através da chaminé (?). A passagem dessa tradição/boa ação para o consumismo dos nossos dias é mais um desses antimilagres que vemos todos os dias na história cultural ocidental, em que os bons sentimentos são transformados em capital para vender. (Dia do pai, dia da mãe, dia dos namorados, ... já comprou a sua prenda?) A ligação da adoração do menino à troca indiscriminada de lembranças tudo menos cristãs; a ligação da mitigação da pobreza ao exibicionismo das prendas para quem já tem tudo... o que é que isto tem de facto a ver com o Natal?

Para mim, o Natal é o festejo de um milagre: de uma coisa boa que pode acontecer e mudar o mundo. De uma coisa inesperada e contra o status, de uma coisa que está dentro de nós desde a nossa infância. É uma tentativa de (re)encontrar um lugar dentro de nós em que ainda somos capazes de acreditar, ainda somos capazes de fazer bem e regozijarmo-nos com a felicidade dos outros.

Esse milagre pode acontecer à roda de uma mesa bonita em que todos cantam, por repetir uma tradição que todos conhecem, ou pode acontecer ao ouvir um concerto ou sorrir a alguém. Não é preciso comprar, mas é bom dar, é bom receber, é bom rirmos e vermos filmes que nos fazem bem. Nem sempre o milagre acontece -- quando era criança, acontecia sempre, mas agora é mais uma esperança do que uma certeza. Mas todos os Natais eu espero por um desses momentos. Esse, para mim, é o espírito do Natal! Eu que sou, como o Mia Couto, ateia não praticante.
 

Emneord: Portugal, cultura Av Diana Sousa Marques Santos
Publisert 17. des. 2014 23:15 - Sist endret 15. juli 2015 10:28